Estou na secção de roupa interior masculina, num qualquer hipermercado nos arrabaldes de Lisboa. Sinto-me uma grua, arrastando penosa mas ligeiramente o carrinho de compras. Vejo-me na obrigação de desbravar caminho por entre um grupo de cavalheiros que resolveram entupir a circulação num raio de cinco metros, e estariam certamente à espera que lhes pedisse, por favor, para me deixarem passar - não o faço. Há qualquer coisa de comum naquelas fisionomias. Sim, são obviamente familiares em alegre passeio excursionista. Quando consigo finalmente vislumbrar uns boxers pendurados, tenho ainda de reclamar terreno à matriarca do grupo que, muito senhora do seu papel, debita ali mesmo a tese da "Boa Cueca", aos gritos, como se fosse ela própria candidata às próximas presidenciais, na tentativa de persuadir o eleitorado - no caso, o filhinho de trinta e tal anos, que acena que sim com a cabecita, qual cachorrinho dependurado do pára-brisas de um 2 cavalos. Eloquente, vai bradando:
- Vês? Estas é que são boas!
- Mas esse tamahno é grande...Depois alargam muito- arrisca o desgraçadito a medo.
- Isso do tamanho é como quiseres. É pormenor- condescende ela.
- Mas são feias- desdenhava ele do padrão Picasso em tons de La Prada.
- Ó filho, isso não interessa! Não é para ninguém ver! É só para ti!
Oração do dia:
Senhor, ajuda-me a escapar à ingenuidade quando a minha filha crescer.
Senhor, ajuda-me a aceitar que ela cresceu.
Senhor, dá-me coragem para a ir libertando.
Senhor, faz-me cair uma telha sobre a cabeça, se não entender um dia que a roupa interior dela não é da minha conta, embora este já não seja um assunto que só a ela diz respeito.