segunda-feira, outubro 04, 2010

6.1

Era um quarto de hotel bem estrelado: amplo, moderno, de bom gosto, com vista privilegiada sobre a cidade, não sei qual.

Não foi propriamente um abalo. Foi mais um desassossego, atingindo-nos os pés e os ouvidos, como o que experimentamos na plataforma à chegada do metropolitano. Foi o tempo de nos calarmos, reverentes, certos de que a vida prosseguiria, dentro de segundos. Passou e, quando tínhamos já dado ordem de marcha ao dia, vimo-nos em plano inclinado. Já não tínhamos a janela por miradouro acessível - estava agora lá no cume, no sopé ficava a cabeceira da cama, com a colcha de brocado rosa-velho estranhamente composta, após a alvorada recente. Em sincronia, sem diferendo, em cabeças distintas - não recordo quantas - o tremor passado e aquele espaço em nova perspectiva declivosa compuseram cópula perfeita: SISMO.

Mais submissos que coniventes com o silêncio da terra, remetemo-nos também ao mutismo, cego e surdo. Cada um tratava de si, preparando a debandada. Porque a circunstância era de emergência, não houve critério que me censurasse a camisa-de-dormir e os pés em meias de lã serrana enfiados nos sapatos de verniz e salto alto. Era assim que me predispunha à fuga. Quando finalmente deitei os olhos ao mundo, vi-me em desacordo com os demais - eles todos de smoking, elas pejadas de lantejoulas, a começar nos pés e a acabar muito além da cabeça. De vergonha, pedi uns instantes, iria aperaltar-me também. O risco vestia-se de irrelevância e o infortúnio pedia indumentária de gala. Ainda que aquelas quatro paredes trouxessem ao chão todas as estrelas, esmagadas pelo céu em ângulo raso, o traje seria de fausto.

Não tenho sonhos proféticos, ou meramente premonitórios. Só destes, que me expõem fraquezas, medos e angústias. Só destes, cruéis quanto baste, porque me despem e abandonam à beira do meu despertar.