terça-feira, fevereiro 21, 2006

Mas como ainda não tem 6 anos...

Tem direito a uma sessão de "Escolinha de Música" por dia. E a verdade é que delira. Delira ela e deliramos nós, com as coreografias, sobretudo as inventadas: é uma delícia vê-la de dedinho censório apontado ao Josezito, e a mãozinha implacável fazendo-lhe adeus, como quem diz: "Lamento, meu amigo, mas pisaste o risco...!". E a inocente presunção, imodéstia mesmo, com que aponta para os seus próprios olhinhos quando ouve a frase: "Ai, os teus olhos, ai, os teus olhos, menina, ainda matam, ainda matam muito mais"?!... Bom, imodéstia, imodéstia não será... Ou é?

Interdito a maiores de 5 anos!


E ainda lhe chamam ESCOLINHA!!! Bom, vá lá que é só de música... O pior é que a música tem letra! E a letra (as letras!) estão pejadinhas de erros ortográficos! Aqui ficam as razões do meu escândalo:


  • A interjeição "Ai" não tem acento gráfico!
  • A locução adverbial "para trás" não se escreve com Z!
  • A preposição "pra" não existe! A elisão deve ser assinalada com um apóstrofo, assim: "P'ra"!
  • O diminutivo de palavras agudas, como "José" e "pé" não leva acento gráfico! Escreve-se "Josezito" e "pezinho"!

O DVD "Escolinha de Música" tem-me rendido largas horas de sossego, é verdade, mas assim que a miúda faça 6 anos, rifo-o, ou melhor, a bem da língua pátria, queimo-o!

Um carolo já!

Belisquem-me; batam-me a sério; arranquem-me uns quantos cabelos; passem unhas na caliça da parede; façam chiar paus de giz no quadro preto; tragam-me gelo para trincar; em vez de uma trident, quero mascar um cravinho da Índia... Tudo para acreditar que é verdade: tenho uma hora só para mim!!! São duas e meia da tarde e até às três e meia o meu tempo é meu!

domingo, fevereiro 05, 2006

Laços de sangue

Cá em casa não há disso. Os atilhos ficam muito aquém da nossa realidade. Cá, usamos mais correntes, daquelas de elos em ferro.

Até hoje, sempre arrumei a expressão "laços de sangue" na gaveta do lirismo poético. Considerava relativa essa coisa da "voz do sangue". Entendia que eram as necessidades básicas de sobrevivência a determinar a direcção e intensidade dos afectos. Achaques psicossomáticos, como febrões, vómitos e diarreias, causados pela ausência de um ente querido, aos meus olhos resvalavam para o campo do folclore, fenómeno culturalmente condicionado.

Hoje, sei que me enganava. Sem perder tempo com muitos pormenores (que são mais pormaiores a reforçar a minha nova perspectiva), deixo-vos a saga cá de casa.

No preciso dia em que o pai se foi embora, para longe, muito longe, a nossa Pirralha adoeceu. Não podia calhar em pior altura - pensei eu - com a ausência do pai por quatro semanas. O estado do "elo mais pequeno" foi-se agravando, até à visita do pai, ao fim de duas semanas. Então foi vê-la recuperar: ninguém lhe ouvia uma queixa; todo o dia só sorrisos; a febre caiu a pique, até desaparecer por completo; as noites voltaram à calma habitual, sem lamúrias às horas mais estranhas... Mas o relógio não perdoa, a direcção dos ponteiros não se inverte, e o pai lá foi, de novo para longe, muito longe... e antes mesmo de lá chegar, já tinha a notícia da recaída. De novo doente, de novo queixosa, de novo a arder em febre... Os dias passaram, todos igualmente penosos, entre delírios de termómetro, vómitos, diarreias e noites em claro: um, dois, três, quatro... catorze. As horas arrastavam-se travadas pela excitação da chegada à beirinha de acontecer! O pai estava quase, quase aqui! Empoleirada no corrimão que separa os saudosos que partiram dos saudosos que ficaram, a miúda parecia alheada do frenesim do aeroporto. E foi pelo seu sorriso que confirmei: chegou! Tanto colo, tanta turra,tanto pender de cabeça sobre o ombro que voltou, tanta baba, tanto puxão de cabelos e bofetadadinhas (porque o amor em êxtase também se manifesta assim!)... E foi o que bastou para sanar o que escapou aos antibióticos, anti-inflamatórios, antidiarreicos e expectorantes...

Só mais uma informação: por contingências da vida, este pai deixou há muito de lhe dar banho, sopa, bifinho com arroz, fraldinhas limpas. No entanto, não deixou nunca de brincar ao "cucu" e ao "vou-te papar o pé" todas as noites; faz questão de lhe dar um beijo de bons sonhos e de lhe aconchegar os lençóis; constrói torres "arranha-tectos" só para a ver rir no momento da implosão; anda na recolha das chuchas, de lanterna em punho, antes de se deitar; testa a temperatura do quarto com demasiada precisão para o meu gosto; e, acima de tudo, leva os dias babado, sem se aperceber da sua absoluta falta de isenção quando fala da filha...
O que quero mesmo que fique claro, borrifando-me na CIÊNCIA, é que a minha filha adoeceu porque lhe faltou o PAI. Nunca lhe faltou sopa, rabinho besuntado de creme, nem tão pouco as construções de Mega Bloks. O que lhe faltou mesmo foi o PAI.
Ah! Só mais uma coisinha: aquela brincadeira do "Pronto.Um beijinho. Já passou!" é mesmo verdade! É só para avisar...

1,2,1,2, testando...

Daqui donde vos escrevo, testo o novo teclado. Sim, senhor! Não come letras, não apita à toa, não acciona caps inadvertidamente, é praticamente silencioso... Resta-me desejar-lhe um resto de vida mais seco e menos pegajoso que o do seu antecessor, que ela fez o favor de regar com um copo de leite...