sexta-feira, maio 26, 2006

Piropos

- Esticou o cabelo? Está muito bonita! - isto dizia o merceeiro, enquanto me pesava os alperces e as cerejas.

Não, não me relaciono com o merceeiro, a não ser neste instantâneo encontro semanal, com a caixa, o pin pad e a balança de permeio. De forma que a observação me deixou perplexa e atrapalhada. Lido muito mal com elogios, sobretudo em público. Não é só um problema de auto-estima que mantenho por resolver, é um problema de socialização muito peculiar. Assim que recebo um elogio tenho tendência imediata para considerar uma de duas possibilidades: ou estão a gozar comigo; ou tentam a via da bajulação descarada, com o fito em proveitos próprios. Por outro lado, este meu entendimento das relações sociais como um jogo de xadrez, não me deixa ver com muito bons olhos que o peão coma a rainha ou que o bispo se atire ao rei. Sentia-me por isso muito mal, ainda no tempo da faculdade, quando passava pela portaria e o segurança me cumprimentava com um "olá!" atrevido, em resposta ao meu "bom dia" distante e discreto. A verdade é que achava aquilo de uma petulância e falta de educação incríveis. Cheguei a fixar-lhe os olhos e levantar ligeiramente a voz enquanto lhe dava os bons dias, mas ele manteve o "olá" até ao meu ano de estágio. Se calhar o indivíduo nem agia mal intencionado. Podia, simplesmente, não ter qualquer noção do que são (in)conveniências sociais e, nesse caso, a mal intencionada era eu, como no filme - verdadeiro filme! - da fruta ao rebolão. Eu conto, eu conto: saía eu do mercado, situado numa zona da cidade esquecida pela autarquia e frequentada por manadas de homens com barriga de cerveja, quando ouço o grito masculino tingido pela cor do vinho: "Olha a fruta! Olha a fruta!". É de facto difícil uma mulher passar por ali e escapar à ordinarice, mas assim aos gritos também me parecia demais... Resolvi, muito discreta, levantar os olhos do chão só para me certificar de que a boçalidade era mesmo para mim. Era. Era eu que tinha dois sacos de supermercado a rebentar pelas costuras, semeando pêras, maçãs, meloas, laranjas e pêssegos pela estrada fora, numa extensão digna de comédia ao melhor estilo inglês. Pois... a mal intencionada era eu e o desgraçado do homem ainda se prontificou à vindima, não fosse algum carro esborrachar-me a mercadoria.

Fica então o aviso: não me façam elogios, porque eu não os sei receber e posso mesmo passar por estúpida, bruta, presunçosa ou mal criada. Críticas também requerem moderação, mas isso dá outro post...

7 comentários:

Ana Rangel disse...

Então espera... eu não gosto nada de te ler, não me identifico nada com o teu blog e com o que escreves e não, não simpatizo nada contigo, pronto! Está bem assim?

Mas que gostei de imaginar a tua cara enquanto a fruta rebolava, gostei! (Ahahahahah)

(confio que tenhas identificado a brincadeira...) ;)

Anónimo disse...

Identifico-me plenamente contigo, quanto aos elogios e quanto às críticas. Já o meu marido é bem diferente, talvez mais descontraído ou independente, talvez seja somente por ser homem. Loolll.
Há nos blogs escrita interessante, que de uma forma séria se elogia ou se critica, por essa mesma razão, por serem interessantes, como são os teus posts, e sabes disso, senão não postarias, não postaríamos, certo? Loool.
Não sei o que é um pin pad. (?)
Beijinhos à tua Pirralha.

Sara CS disse...

Sai um piropo: o teu blogue é dos únicos em que leio posts compridos sem me cansar! Gosto, já te disse...

Sophie disse...

Ai, ai... o que eu já me ri!

Com que então "Olha a fruta!", hã?

S.A. disse...

Deves ter um feitozinho... eheheehe ;p

LP disse...

E costumas empinar muito o nariz e fazer um ar muito antipático ou enfadado? Já vi, já vi!

Rita disse...

tb n lido mto bem com elogios..sinto-me desconfortável e muito..

beijinhos