sexta-feira, junho 24, 2005

Lá vai uma, lá vão duas, três viroses a voar...

... Uma é minha, outra é do pai e da filha, outra é de quem a apanhar.
E é mesmo assim que elas andam - a voar... Pelo menos a fazer fé nos diagnósticos médicos, que à falta de melhor apontam sempre para o mesmo : VIROSE. Isto é que é uma moda, heim?! Até podem estar cobertos de razão, provavelmente estão, porque afinal de contas uma gripe é uma virose, a varicela é uma virose, a sida é uma virose, a hepatite é uma virose... - na medida em que são doenças que têm como agente infeccioso um vírus. Portanto, se o senhor doutor apontar para a virose, tem 50% de probabilidades de acertar, não é verdade? Deixando de lado os restantes 50% que ficam reservados para a probabilidade de infecção bacteriológica (provocada por uma bactéria). Como até eu, leiga na matéria e moça de letras, sou capaz de entender isto, por que não são mais específicos? Sou obrigada a inclinar-me para uma de duas hipóteses: ou vêem nos doentes ignorantes crónicos a quem não vale a pena explicar nada com grande pormenor; ou vêem-se os médicos, eles próprios, confrontados com a sua ignorância sem saber que diagnóstico fazer e então, por via das dúvidas, generalizam. Se esta segunda hipótese estiver mais próxima da verdade, qualquer dia ainda corremos o risco de sair do hospital com a seguinte informação: "O que a senhora tem é uma doença". Ponto final. Seria a generalização elevada ao seu máximo expoente, o que, convenhamos, reduziria significativamente a margem de erro no diagnóstico, tornando-o muito mais certeiro! Ah! Mas não vamos descartar já a primeira explicação para o fenómeno. Na verdade, eu mesma tenho recolhido alguns indícios de que os senhores da bata branca (ou verde cirúrgico, como está agora na berra e se vê nas séries americanas) olham para nós, pobres ignorantes, e pensam: "Ora bem, com o nome de uma doença e umas drageiazinhas coloridas sais daqui muito mais sossegado... Toma lá: Virose e Trifene 200."
Agora digam-me: não é complicado conformarmo-nos com esta moda? Não estarão os vírus a ficar com as costas demasiado largas? Vamos a acordar, minha gente, porque estes bois (as viroses, entenda-se!) também têm nomes!

6 comentários:

Anónimo disse...

Caríssima Senhora:

Prefere dar um nome ao boi? Pois muito bem. Basta convencer (sugiro espancar) o seu médico assistente a pedir uma série de serologias virais (p.e. Coxsackie, Enterovírus, Adenovírus, etc), e poderá saber qual o nome do vírus que causou a afecção respiratória ou afim da criança.

Depois, deverá explicará ao seu médico o que tenciona fazer com esse conhecimento, já que NÃO EXISTEM QUAISQUER FÁRMACOS PARA TRATAR ESSES VÍRUS. Ter-se-à gasto dinheiro para nada. Por isso não faça dos médicos mais parvos do que o que eles são. Nem todos nós somos incompetentes, sabe?

Entretanto, como vivemos numa democracia, está à vontade para continuar com os seus dislates sobre uma matéria que domina mal.

dia-a-dia disse...

Senhor doutor (presumo estar a falar com um médico),

Dois pedidos de esclarecimento, meramente retóricos, já que não faço questão de obter resposta:

1º Já experimentou explicar a um dos seus doentes, a quem tenha diagnosticado uma virose, o que acabou de me explicar? Não? É pena! Vejo, portanto, que foi a primeira carapuça a que melhor lhe serviu, senhor doutor. Bom, sempre é melhor que a segunda - é que também eu acredito na competência da maioria dos médicos!

2º Só fala sobre temas que domina em absoluto? Sim? É pena, mais uma vez! Perde oportunidades soberbas de aprender, como aconteceu comigo com a lição que, tão amavelmente, acabou de dar. Já agora, fica o reparo: não, senhor doutor, não estava a falar sobre uma matéria que domino mal. Falava sobre algo que não domino de todo, e fiquei a ganhar, como se vê!

Anónimo disse...

Caríssima Senhora:

Tenho a informá-la que nem todos os médicos insistem em expressar-se numa linguagem críptica... Surpreenda-se! Muitos de nós, especialmente os recém-licenciados e os melhor (en)formados - pelo molde da boa educação e do respeito pelo próximo, gostam de explicar aos seus interlocutores/doentes noções tão inóspitas como a tal VIROSE. Espero ter respondido à sua 1ª questão. E pode guardar a carapuça para outro.

Queria também dizer-lhe que não falo apenas de temos que conheço em absoluto. Mas tento fazê-lo de forma prudente. Decerto também aprecia os comentadores de bancada que tecem considerações pouco elogiosas, e profundamente desinformadas, sobre a classe docente. Falar sem conhecimento de causa não é desculpável quando se toma a parte pelo todo, na hora de lançar umas quantas papaias ao ar... Prudência nas sinédoques.

Melhores cumprimentos,

Nuno Fernandes
(médico, se tal interessa)

dia-a-dia disse...

Senhor doutor, já assíduo correspondente:

Bem vejo que as metáforas do boi e da carapuça o impressionaram a um tal ponto, que já consegue ver estilística onde ela não existe. Bom, apraz-me constatar que também se atreve a falar sobre o que não domina em absoluto. Passo a esclarecer: uma generalização, per si, só corresponde a uma sinédoque se houver um sentido conotativo implicado nos termos dessa generalização. Ora, as minhas palavras, quando falava nos "senhores da bata branca", devem ser tomadas À LETRA, sem sentidos figurados, NADA DE CONOTAÇÕES (não obstante a expressão um tanto perifrástica)! Falava mesmo de TODOS OS MÉDICOS! Não se exaspere, senhor doutor! O discurso não é excessivo. Elíptico, mas não excessivo. Isto porque me referia a todos os médicos por quem tive o desprazer de ser observada nas minhas deslocações a hospitais e centros de saúde - e asseguro-lhe que os dedos de uma mão chegam para contar o total destas visitas. É preciso ter azar!...Como disse? Conhecimento de causa? Quer melhor conhecimento de causa? Quer então que me penitencie pela elipse, não pela generalização? Muito bem, reconheço o excesso, ou melhor, o defeito. Eu bem sei como são injustas as generalizações, compreendo o melindre, mas peço-lhe que não se sinta directamente atingido... Afinal de contas, não me lembro de o ter encontrado em qualquer serviço de urgência hospitalar...

Para terminar, senhor doutor, posso dizer-lhe que deposito toda a esperança na nova geração de médicos, "os melhor (en)formados", grupo a que parece pertencer. Queira aceitar, assim, os meus parabéns e votos de que nunca esmoreçam as suas convicções - os mesmos votos que já tive oportunidade de dirigir ao seu colega através do qual tomou conhecimento do meu post, ele próprio um louvável exemplo de humanismo na medicina! Como vê...

Salve Protágoras, não desfazendo em Hipócrates!

P.S. A imagem das papaias não foi feliz, embora abone os meus pensamentos - o fruto é excelente! - quando os quiser desmerecer, sugiro os mirtilos ou as pitangas. :)))

Anónimo disse...

Pois muito obrigado pelos seus votos. Felicidades para si e para os seus. Melhor sorte em contactos futuros com os hipocráticos. Deixemos então de lado as carapuças, pois bem concordamos com o sofista de Abdera. Aquilo que vale em determinado lugar não deve valer, necessariamente, em outro. Até uma próxima oportunidade.

Anónimo disse...

Pelo que vejo, este post já é de 2005, mas só agora o li!!! Gostaria só de referir, que realmente tenho pena que só pessoas que consigam "comer" a informação dos livros, é que consigam ser médicos/enfermeiros em vez de pessoas que têm mais vocação pra lidar com doentes não consigam tal coisa, devido a um factor: MÉDIAS ESCOLARES. Falo nisso, porque infelizmente nem todos nascem com sorte e confesso que já quiz ser médica, e tenho amigas que estão a tentar seguir para enfermagem. Eu ainda vou a tempo de estudar pra isso, mas deixo-me ficar por Química, e tentar vir a ter um futuro que engloba saúde, como farmácia etc. Porque até se ser médico leva muitos anos e não tenho condições pra seguir tal coisa. Bem, gostei de ler este post (debate)... Desejo tudo de bom pra todos. Bijinhux