segunda-feira, setembro 04, 2006

O meu bichinho-de-mato

Escrevo a quente. Não costumo, mas é importante que seja assim, hoje. Não quero esquecer o que sinto nem o que recordo neste instante, por isso vai assim, a quente mesmo. Venho assumir um compromisso e deixar uma súplica, que é muito mais que um pedido, como sabem.

Tenho uma filha. Os meus genes não vingaram com grande força nela e, na verdade, mais valia que não se fizessem notar de todo. Herdou de mim a única característica que eu queria em absoluto não transmitir: tenho uma filha bicho-de-mato. Ela recua assim que uma criança se aproxima; vira a cara a desconhecidos; nunca a vi tomar a iniciativa de contacto com colegas de creche; chora desalmada se lhe levantam a voz; não sai do meu colo se está num espaço novo... Não me venham largar para aqui comentários a dizer que é normal. Eu sei do que estou a falar. Eu revejo-me nela. Eu sei exactamente como é ser bichinho-de-mato. E sei, sobretudo, como é não nos respeitarem nessa condição de ser anti-social.

Eu era assim. A minha mãe é que não. E por isso entendeu sempre que fazia o melhor por mim quando me obrigava a participar em saraus de ginástica, exibições em palco de coreografias de ballet , festas de aniversário de coleguinhas de quem até gostava muito, grupos de escuteiros – suprema violência, meu Deus! Suprema! – concursos de dança em casa da avó L....

Para não me alongar mais, passo então ao compromisso:

Minha querida, desde já te garanto que, no que depender de mim, jamais te iniciarei em qualquer forma de contacto social se não for esse o teu desejo. Para tanto, qualquer sinal serve, por mínimo que seja: não tens de chorar nem de me fincar as unhas no pescoço. Cantos da boca descaídos ou um “não” dito baixinho chegam. A mãe entende.

Agora a súplica:

Mães zelosas, garanto que as boas intenções da minha mãe foram contraproducentes de tão desastrosas. O meu processo de socialização não aconteceu mais depressa nem melhor pelo facto de ter sido obrigada a escancarar o meu mundo em público. Hoje, é comum ouvir falar de mim como uma pessoa simpática, prestável, solidária e expansiva. Até dou aulas, imaginem! Continuo a oferecer alguma resistência em primeiros contactos, mas ultrapasso com facilidade esta fase. Este é um mérito só meu. Consegui-o a pulso, longe dos saraus, festas e acampamentos, mais tarde do que seria desejável, se não me tivessem empurrado. Se tiverem um bichinho-de-mato em casa, não o empurrem, está bem?

11 comentários:

Ana disse...

Conheço uns pais, amigos meus, que a filha mais nova é bicho do mato, literalmente.
Só a vi uma vez, tinha ela acabado de nascer.
A partir daí nunca mais ninguém a viu. Diz que está sempre com os avós e faz enormes birras junto de outras pessoas. Eles não fazem com que ela interaja com outras crianças ou adultos.
Tudo bem que ela não queira estar com outras pessoas mas ela vai ter que ir para a escola um dia...e aí como vai ser?

Eu não acho isso normal!

Raquel disse...

Acho que desde que não se isole a criança tudo bem...
Cada um é como é...e na altura própria há-de despontar para os contactos sociais...
Também não estou de acordo que se empurre desde que não se deixe a criança refugiar-se demais no seu isolamento.
O tempo tudo resolve.
Beijocas

Anabela disse...

Ai como te entendo! Sim, também eu fui uma anti-social mor, sujeita a essa violência do empurrão. Também eu consegui dar a volta (mais ou menos) à coisa e acabei a dar aulas (nunca pensei!) e também eu pensava que tinha uma filha anti-social!
Não a empurrei, mas a verdade é que afinal sai ao pai... por volta dos 3 anos e meio a filha timida-envergolhada-encolhida-e-agarrada-às-calças-da-mãe FOI-SE...
Agora é uma descarada e fala-barato! E sou eu que às vezes me envergonho com tanta conversa que ela tem com gente estranha.
Nunca se sabe, mãe, as surpresas que a tua filha te reserva. Mas sem empurrões!
Um beijo

Lipa disse...

Não sei se posso dizer que fui bichinho do mato em pequena, eram uma criança mais timida que expansiva. Foi no inicio da adolescencia que fui ficando mais e mais bichinho do mato, depois superei isso lá por volta dos 18-19 anos (com algum esforço da minha parte confesso) Hoje em dia sinto-me novamente bichinho do mato e menos à vontade em situações novas com pessoas novas. Sinto que teria sido benéfico se os meus pais me tivessem incentivado a participar em actividades com pessoas da minha idade quando tinha 13-15 anos, em vez disso fechei-me no meu casulo entregue a mim e aos meus livros sem interferência de ninguém. Acho que vivia no meu próprio mundinho.
A minha filha parece ter saído mais ao pai, sempre de sorriso fácil e adora grandes enchentes de pessoas. Ainda assim não se dá logo às outras crianças que conhece na rua gosta de observar primeiro ao longe (nisto sai a mim penso eu) com os adultos é mais expansiva não sei porquê.
Não acho que se deve forçar mas sim incentivar à participação em actividades que nos envolvam em grupos de pessoas da mesma idade durante a infância/adolescência (acho que faz bem desde que não seja forçado ou imposto à criança,e isso não implica colocar a crinaça em palco ou em situações incómodas como contas). Não incentivar à mudança de alguns comportamentos menos sociais por muito melhor que pareça na altura pode não ajudar mais tarde quando ela for obrigada mesmo a socializar (quer queira ou não), escola e trabalho pelo menos são coisas incontornáveis na nossa vida. Tema interessante este (obrigada por me fazeres pensar)
beijinhos
Lipa
(desculpa o testamento hoje deu-me para isto :P)

Francisca disse...

Não é normal? Também não é anormal! Não te digo que é da idade, que é uma fase, blá blá, mas há tantos miúdos assim que acabam por ultrapassar ou mesmo não ultrapassando totalmente acabam por se integrar sem problemas mais tarde ou mais cedo. E há tantos adultos envergonhados! É uma maneira de ser, genes, isso mesmo! Claro que gostávamos que os miúdos fossem todos como a minha filha :D que faz amigos em todo o lado e manda a mãe embora no primeiro dia de escola (hoje! hoje! hoje!), porque sabemos que os “bichos-do-mato” sofrem por não serem respeitados ou mesmo por se começarem a aperceber dessa sua “condição” (já mais velhinhos). E claro que o “mais tarde ou mais cedo” de cima depende muito da atitude dos pais e dos adultos que contactam com a criança. O filho mais velho é totalmente o oposto da miúda, como já te disse, e sempre foi assim, desde pequeno. Com entrada na escola, principalmente na primária, melhorou mas não espero alguma vez que ele em grandes multidões comece a cantar para alegrar a malta. A parte do forçar é, de facto, contraproducente como fui assistindo ao longo destes (sete) anos. É certo que o João se dá melhor com todos aqueles adultos e miúdos que não forçaram a aproximação e deixaram que fosse quase ele a escolher o momento. E felizmente apanhou uma professora e colegas e auxiliares que têm percebido isso. O miúdo agora até é popular e tudo! Mas ainda em relação às actividades e afins, concordo com a Lipa. Acho que os pais devem incentivar, sugerir. Até porque muitas vezes o que eles precisam é dessa segurança, o apoio dos pais.

(Bem, vou parar por aqui, senão não me calo hoje, bolas…)

ddm disse...

Pois aqui tens uma que também era um bicho-do-mato, com uma mãe que também a obrigava a se mostrar e uma irmã super faladora e extrovertida (o que complicava tudo!).

Pois a filhota da Xana Tímida teve o bom gosto de sair ao pai e à tia e irradia simpatia!:)

De qualquer maneira compartilho o teu compromisso, e se o T. tiver herdado o gene bicho-do-mato não vai ser esta mãe a obriga-lo a ser o que não é, até porque também aprendi que teria de ser eu sozinha a combater a minha timidez.

BichinhoS da Fruta disse...

Tá combinado :)
Excelente post ;)
*s

LP disse...

Sabes o que é que resultou com o meu bicho-do-mato (o mais velho)? Um irmão descarado e sociável!

Agora a sério: tenho sempre algum cuidado para não o isolar ou para não me identificar demasiado com ele (eu também era assim) o que me dá tendência para o proteger demasiado mas não o pressiono e evito sempre que o façam. E ele dá-se sempre melhor com as pessoas que lhe dão tempo. Quando o tem torna-se a criança mais simpática do mundo e fica a adorar aquelas pessoas.

Licas disse...

Como te entendo. Também era assim hiper-bicho-do-mato e com o tempo consegui que as coisas melhorassem um bocadito. Como tu dizes até dou aulas!
A Inês é oposto. Só está bem a dar espectáculo :-) Acabou-se a timidez da mãe. É impossível...
1 bjx

S.A. disse...

:( tadinha... (de ti..)

Sophie disse...

Igual por aqui. Já deves saber.
Até este Verão. Mais faladora, cheia de vontade de fazer amizades (até demais...) e menos inibida.

Tens toda a razão. É preciso dar tempo ao tempo.