Pensava eu – defendia-o com toda a convicção – que ninguém pode dar o que não recebe e que o inverso era também verdade – que acabamos por devolver ou vomitar o que nos dão e vamos absorvendo. Afinal não é assim. Nenhuma das premissas se verifica invariavelmente.
Eu conhecia a resposta, a ponto de ter deixado de fazer a pergunta. Não valia a pena procurar saber o segredo daquele soufflé nem o truque do rolo de carne. Eram delícias de Amor e pronto. Para a minha mãe nada daquilo tinha a ver com uma excelente mão para a cozinha. Dizia ela, sempre, que o tinha feito com Amor, com muito Amor, e que desta forma tudo saía apurado. Ora, sabendo-a eu tão mal amada, tão temperada de sal e ofertada de fel, como era possível verter naqueles tachos um Amor assim? Compreendo hoje que falava do Amor que nos tinha, aos filhos, traduzido em combinações perfeitas de ingredientes, à partida comuns e irrelevantes. Isso eu já entendi, com dez anos já o entendia. O que continua a fazer-me confusão é a facilidade com que deitava aos tachos o que não recebia, nem tinha como comprar ou trocar... Onde ia ela buscar tanto Amor? Tanto, tanto, como só pode atestar quem se sentava à mesa lá em casa. Afinal, também eu hoje me debato com os tachos e tenho de me confessar incapaz de semelhante prodígio... Lágrimas e a mais elementar das macarronadas são pura e simplesmente incompatíveis, de tal forma que a qualidade do que levo à mesa é o reflexo fiel do meu estado de alma.
Ontem, o frango da mãe cá de casa não apurou. A minha mãe tê-lo-ia feito tão bem...