sexta-feira, abril 06, 2007

Saudades da saudade

Eram sextas-feiras santas, sonhadas, desejadas. Caminhávamos os quatro, sempre adiante, embora às vezes um pouco baralhados pela geometria das transversais – é nesta, não é? Ou é só na próxima? A avenida sofria, sofre ainda hoje, de uma monotonia matemática. Mas a fábrica das amêndoas lá estava, e nós acabávamos sempre por dar com ela. Enquanto esperávamos pela nossa vez, os meus olhos iam lambendo chantilly, doce de ovos e glacé pelas vitrinas refrigeradas. Até que a minha mãe começava: “cento e cinquenta de tipo francês... o mesmo de molar... o mesmo de chocolate... também cento e cinquenta de Coimbra...” Depois fazíamos o caminho de regresso a casa, roidinhos pela saudade que provocavam aqueles saquinhos com atilhos aparentemente toscos. Era tão difícil abri-los sem nos denunciarmos... e depois da trabalheira para conseguir afrouxar o laço, ainda tínhamos o supremo azar de topar logo com as molares.. Blherrrrrrrc... As de chocolate é que eram! Até fazíamos o sacrifício de lhes desgastar a carapaça de açúcar, só para lhes atingirmos o coração! As de tipo francês já não nos deixavam tão felizes, mas enfim... íamos delapidando o açúcar colorido às trincadinhas cirúrgicas e depois cuspíamos a amêndoa. As de Coimbra vinham em terceiro lugar do ranking, não por snobismo a tender para Paris, mas porque tinham umas formas sempre muita mal paridas, que nos feriam o céu da boca.

Era o verdadeiro prazer sem espinhas, quando o meu pai resolvia tratar da parte dos atilhos, perante a censura incrédula da minha mãe: “Parece impossível! Em dia de jejum!... Tu não tens vergonha?!” O meu pai respondia com um franzir de olhos infantil e com a boca entupida ao estilo francês.

Tenho tantas saudades da saudade que acordava comigo naquelas santas sextas-feiras, de pecadilhos anunciados...

3 comentários:

Jolie disse...

eu tenho saudades (ponto)

S.A. disse...

:)

Cool Mum disse...

:)
É isso mesmo, saudades...