sábado, maio 19, 2007

Quando for grande...

Em miúda quis ser retroseira. Merceeira também não ia mal. Era o deslumbramento que adivinhava diante da infinidade de botões, molas, fitas e carrinhos de linhas, de todas as cores do arco-íris, muito arrumadinhos em caixas que trepavam prateleiras... Era a sedução dos pacotes, pacotões, pacotinhos e pacotilhas, a juntar ao fascínio da caixa registadora, cheiinha de botões e barulhinhos (do tlim ao tlão, passando pelo toc e pelo scrach, estava lá tudo). Depois quis ainda ser peixeira... é que não havia nada comparável à submersão permanente, chafurdando, chafurdando, até ver os sargos bem amanhados.
Se fosse hoje, queria ser enóloga. É que tem tanta poesia...
«Cor granada de média concentração com suave violáceo no menisco. A retina capta-lhe um ligeiro gaseificado e muitas partículas em suspensão que, para nosso contentamento, se desvanecem com a permanência no copo. Ligeiro desprendimento de álcool num aroma quente, quase enternecedor, a puxar ao estilo Novo Mundo, com uma doçura frutada que não chega a ser enjoativa: suave couro bem coberto pelo cunho silvestre, a lembrar framboesa e groselha em compota, sugestões de ameixa seca, bombom de cereja e algum vegetal. Mais-valia aromática produzida pela madeira a conferir-lhe a nuance abaunilhada, o apontamento achocolatado e a cremosidade das notas de "expresso". E a constante sensação de haver nele qualquer coisa a lembrar terra seca e poeirenta. Será um mero condicionamento psicológico induzido pelo rótulo? Fiquei na dúvida. Ataque redondo, com razoável volume e, malgrado o vestígio do álcool, conseguindo preservar uma textura suave. Fruto e vegetal a combinarem-se numa evolução que, sem esconder uma estrutura relativamente simples, consegue manter alguma finura. Menos refrescante do que seria desejável com a correcção ácida a marcar presença na transição para um final com média persistência, bem amparado pela estrutura de taninos. Fiel ao receituário da edição anterior, embora o "nervosismo" do álcool prejudique a harmonia deste 2003. Mas nem por isso deixará de surpreender muitos consumidores, continuando a justificar plenamente a sua opção como vinho para o quotidiano. Perder este Terras do Pó? Nem pó!»

3 comentários:

Alecrim disse...

poético, sem dúvida. Enólogo inspirado.

Jolie disse...

eu diria mais: vou tratar de arranjar uma dessas a ver se me dá a mesma inspiração :p

beijos

Sofia Quintela disse...

Realmente...que bonito..