Cá em casa não há disso. Os atilhos ficam muito aquém da nossa realidade. Cá, usamos mais correntes, daquelas de elos em ferro.
Até hoje, sempre arrumei a expressão "laços de sangue" na gaveta do lirismo poético. Considerava relativa essa coisa da "voz do sangue". Entendia que eram as necessidades básicas de sobrevivência a determinar a direcção e intensidade dos afectos. Achaques psicossomáticos, como febrões, vómitos e diarreias, causados pela ausência de um ente querido, aos meus olhos resvalavam para o campo do folclore, fenómeno culturalmente condicionado.
Hoje, sei que me enganava. Sem perder tempo com muitos pormenores (que são mais pormaiores a reforçar a minha nova perspectiva), deixo-vos a saga cá de casa.
No preciso dia em que o pai se foi embora, para longe, muito longe, a nossa Pirralha adoeceu. Não podia calhar em pior altura - pensei eu - com a ausência do pai por quatro semanas. O estado do "elo mais pequeno" foi-se agravando, até à visita do pai, ao fim de duas semanas. Então foi vê-la recuperar: ninguém lhe ouvia uma queixa; todo o dia só sorrisos; a febre caiu a pique, até desaparecer por completo; as noites voltaram à calma habitual, sem lamúrias às horas mais estranhas... Mas o relógio não perdoa, a direcção dos ponteiros não se inverte, e o pai lá foi, de novo para longe, muito longe... e antes mesmo de lá chegar, já tinha a notícia da recaída. De novo doente, de novo queixosa, de novo a arder em febre... Os dias passaram, todos igualmente penosos, entre delírios de termómetro, vómitos, diarreias e noites em claro: um, dois, três, quatro... catorze. As horas arrastavam-se travadas pela excitação da chegada à beirinha de acontecer! O pai estava quase, quase aqui! Empoleirada no corrimão que separa os saudosos que partiram dos saudosos que ficaram, a miúda parecia alheada do frenesim do aeroporto. E foi pelo seu sorriso que confirmei: chegou! Tanto colo, tanta turra,tanto pender de cabeça sobre o ombro que voltou, tanta baba, tanto puxão de cabelos e bofetadadinhas (porque o amor em êxtase também se manifesta assim!)... E foi o que bastou para sanar o que escapou aos antibióticos, anti-inflamatórios, antidiarreicos e expectorantes...
Só mais uma informação: por contingências da vida, este pai deixou há muito de lhe dar banho, sopa, bifinho com arroz, fraldinhas limpas. No entanto, não deixou nunca de brincar ao "cucu" e ao "vou-te papar o pé" todas as noites; faz questão de lhe dar um beijo de bons sonhos e de lhe aconchegar os lençóis; constrói torres "arranha-tectos" só para a ver rir no momento da implosão; anda na recolha das chuchas, de lanterna em punho, antes de se deitar; testa a temperatura do quarto com demasiada precisão para o meu gosto; e, acima de tudo, leva os dias babado, sem se aperceber da sua absoluta falta de isenção quando fala da filha...
Até hoje, sempre arrumei a expressão "laços de sangue" na gaveta do lirismo poético. Considerava relativa essa coisa da "voz do sangue". Entendia que eram as necessidades básicas de sobrevivência a determinar a direcção e intensidade dos afectos. Achaques psicossomáticos, como febrões, vómitos e diarreias, causados pela ausência de um ente querido, aos meus olhos resvalavam para o campo do folclore, fenómeno culturalmente condicionado.
Hoje, sei que me enganava. Sem perder tempo com muitos pormenores (que são mais pormaiores a reforçar a minha nova perspectiva), deixo-vos a saga cá de casa.
No preciso dia em que o pai se foi embora, para longe, muito longe, a nossa Pirralha adoeceu. Não podia calhar em pior altura - pensei eu - com a ausência do pai por quatro semanas. O estado do "elo mais pequeno" foi-se agravando, até à visita do pai, ao fim de duas semanas. Então foi vê-la recuperar: ninguém lhe ouvia uma queixa; todo o dia só sorrisos; a febre caiu a pique, até desaparecer por completo; as noites voltaram à calma habitual, sem lamúrias às horas mais estranhas... Mas o relógio não perdoa, a direcção dos ponteiros não se inverte, e o pai lá foi, de novo para longe, muito longe... e antes mesmo de lá chegar, já tinha a notícia da recaída. De novo doente, de novo queixosa, de novo a arder em febre... Os dias passaram, todos igualmente penosos, entre delírios de termómetro, vómitos, diarreias e noites em claro: um, dois, três, quatro... catorze. As horas arrastavam-se travadas pela excitação da chegada à beirinha de acontecer! O pai estava quase, quase aqui! Empoleirada no corrimão que separa os saudosos que partiram dos saudosos que ficaram, a miúda parecia alheada do frenesim do aeroporto. E foi pelo seu sorriso que confirmei: chegou! Tanto colo, tanta turra,tanto pender de cabeça sobre o ombro que voltou, tanta baba, tanto puxão de cabelos e bofetadadinhas (porque o amor em êxtase também se manifesta assim!)... E foi o que bastou para sanar o que escapou aos antibióticos, anti-inflamatórios, antidiarreicos e expectorantes...
Só mais uma informação: por contingências da vida, este pai deixou há muito de lhe dar banho, sopa, bifinho com arroz, fraldinhas limpas. No entanto, não deixou nunca de brincar ao "cucu" e ao "vou-te papar o pé" todas as noites; faz questão de lhe dar um beijo de bons sonhos e de lhe aconchegar os lençóis; constrói torres "arranha-tectos" só para a ver rir no momento da implosão; anda na recolha das chuchas, de lanterna em punho, antes de se deitar; testa a temperatura do quarto com demasiada precisão para o meu gosto; e, acima de tudo, leva os dias babado, sem se aperceber da sua absoluta falta de isenção quando fala da filha...
O que quero mesmo que fique claro, borrifando-me na CIÊNCIA, é que a minha filha adoeceu porque lhe faltou o PAI. Nunca lhe faltou sopa, rabinho besuntado de creme, nem tão pouco as construções de Mega Bloks. O que lhe faltou mesmo foi o PAI.
Ah! Só mais uma coisinha: aquela brincadeira do "Pronto.Um beijinho. Já passou!" é mesmo verdade! É só para avisar...
16 comentários:
Gostei muito
Adorei (aliás como sempre!)este teu post.
Isso é que é amor hã?
Eu acredito nessas coisas dos laços de sangue e das reações psicossomáticas. É mesmo assim.
E que bom que tens um Pai que exagera quando fala da filha. Já entrou na onda da hipérbole materna. Afinal isto também se pega aos machos.
Espero que ele não tenha que se ausentar muitas vezes nos próximos tempos, senão tás feita!
Beijos nessa Pirralhita linda!
E para ti tb ... lol
adorei!
pois eu acho que tens toda a razão...
beijos e abraços
:) Que bonito, como sempre.
E-X-T-R-A-O-R-D-I-N-A-R-I-O!
Muito, muito bonito... Arrebatadoramente profundos os laços de sangue. :-)
gostei tanto de ler isto.
mas tanto mesmo
Fantástico! Como sempre!
O amor de uma filha/o por um pai é inquantificável mesmo!
:)
Simplesmente lindo!!Adorei...
Beijinhos
Adorei, só espero que o pai não tenha que se ausentar novamente tão cedo senão tás tramada, lol.
Beijinhos
rapariga... gosto muito de te ler, já te tinha dito?
eu acredito piamente nisso porque um dos meus primos era tal e qual... mas ao contrário.
se ele não estivesse com a mãe, estava 5 estrelas, comia que nem um alarve, etc... chegava a mãe e era vê-lo a não comer, a ser mimado demais, etc...
ainda me lembro de um aniversário lá em casa em que ele pulou o dia inteiro. fez asneiras atrás de asneiras, gritou, berrou, correu e saltou... quando chegou a mãe, ficou com febre.
por isso acredito sim.
beijo grande.
que ternura...
O meu já fez isso uma noite em que eu tive um jantar com amigas.
Que amor ela tem pelo pai ao ponto de ficar doente.
Comigo a história do beijinho também resulta.
Bjs
Fizeste-me chorar...
Mas concordo inteiramente contigo.
Bjs
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