domingo, fevereiro 04, 2007

Convulsões febris - O Mito

O mito, exactamente. Tal como o definiu Pessoa: o nada que é tudo. Mas este conta com a agravante de ser tabu.

Atacando a questão e agarrando-a pelos cornos:
  1. A convulsão febril, desde que ocorra entre os 6 meses e os seis anos, é uma reacção natural do organismo humano;
  2. Ao contrário do que dizem os livros, a percentagem de crianças que sofre convulsões febris não ronda os 4%, esta é certamente muito superior. Caso contrário, como se justifica que mais de metade das mães com quem me relaciono tenham casos para contar, vividos na primeira pessoa? A percentagem revelada pelo livros só pode, por isso, ter por base os casos que chegam aos hospitais e/ou ao conhecimento médico;
  3. As convulsões febris na infância mantêm-se como um tabu que poucos admitem ter vivido. Não nos esqueçamos que este é um fenómeno envolto num misticismo cultural muito grande. Antigamente, uma convulsão, fosse ela de que natureza fosse (febril, epiléptica, ou outra) era vista como uma forma de possessão demoníaca, o que não ajudou nunca à sua divulgação;
  4. Uma convulsão febril nem sempre se manifesta da forma como estamos habituados a ouvir falar dela: com o corpo hirto, estrebuchando no chão, espumando da boca. Não é de descartar a hipótese de uma criança sofrer alguma vez na vida uma convulsão, sem que alguém junto a ela se aperceba disso. Recordo que a minha filha teve (?) uma convulsão sem qualquer alteração física que não fosse o queixo a tremer, muito discretamente, como se estivesse com frio! A apatia que se seguiu podia perfeitamente ter escapado à nossa atenção;
  5. Uma autêntica convulsão febril na infância não implica qualquer dano neurológico ou de outra natureza. O que nos deve preocupar é a possibilidade de uma aparente convulsão febril estar a mascarar uma convulsão de outra natureza, ligada, por exemplo, a uma meningite ou epilepsia;
  6. Não há uma temperatura que se possa considerar o limiar para uma criança poder fazer uma convulsão - há história de miúdos que iniciam o processo convulsivo com 37,5ºC de febre.

O que fazer quando se dá uma primeira "crise":

  1. Aguardar, com calma, que os tremores passem, assegurando simplesmente que a criança pode estrebuchar em segurança, isto é, sem nada ao seu alcance em que se possa magoar. Nunca colocar nada na boca da vítima nem tentar impedir-lhe os movimentos involuntários!
  2. Assim que possível, proceder ao arrefecimento da criança, por todos meios que estiverem ao nosso alcance - se a criança está já sob o efeito de um anti-pirético tomado recentemente, nada mais há a fazer senão despi-la completamente e iniciar o arrefecimento corporal directo, com pachos de água fria debaixo das axilas e nas virilhas e testa. Nestes casos está desaconselhada a imersão na banheira, uma vez que a apatia e falta de reflexos pode facilitar o afogamento. Desligar aquecimentos que possamos ter ligado em casa;
  3. Colocar a criança em posição lateral de segurança - muito importante caso se verifiquem vómitos;
  4. Ligar para a Linha Pediatria 24 (808 24 24 00) e descrever com todo o pormenor o sucedido. Este procedimento, embora possa parecer desnecessário para os mais precipitados que se queiram pôr logo a caminho do hospital, vai permitir um ganho de tempo muito considerável, uma vez que nos permite "saltar" a triagem no hospital;
  5. Se da linha de emergência nos disserem que vão enviar um fax para o hospital (o que é provável em caso de primeira convulsão febril) preparar a saída com a criança rumo ao hospital:
  • Levar a criança com pouca roupa e "descomplicada", para ser fácil despi-la e vesti-la (o que vai acontecer várias vezes ao longo de umas horas);
  • Levar uma manta para envolver a criança na passagem de umas salas para as outras no hospital e para poder recostá-la a dormitar quando possível;
  • Levar uma garrafinha/biberão de água - é natural que a criança tenha sede por causa da febre e do sobreaquecimento dos diversos espaços no hospital. Por outro lado, caso tenha de fazer análises à urina, terá mesmo de tomar água para ser possível uma colheita rápida - quanto menos tempo levar para fazer xixi, menos a criança se aborrece;
  • Levar uma embalagem grande de toalhetes - baba, ranho, vomitado, tudo se limpa;
  • Caso a criança tenha vomitado em consequência da convulsão, é muito prático tarnsportá-la ao hospital com um babete descartável, daqueles com bolsa-pelicano - amparam bem novos vómitos e são muito práticos de substituir.

6. Por último, ultrapassado o terramoto que representa sempre uma convulsão, quer seja a primeira, quer seja a vigésima, falem, falem sobre o assunto, com quem quer que esteja na disposição de vos ouvir - no trabalho, em casa, na paragem de autocarro, no blog, por mail... vão surpreender-se com a quantidade de convulsões que começam a revelar-se e vão, por isso, sentir-se menos sós. Obrigada a todos os que se aproximaram de mim ao longo daquela terrível semana, até hoje.

E pronto. Matei o mito. Derrubei o tabu.

20 comentários:

CGM disse...

Muito util.

Eu tinha frequentemente convulsões em criança, por esse motivo, apesar de medo estou sempre à espera que um dos miudos faça convulsão. Até agora nada.

Uma duvida, presumo que tenhas lido bastante sobre o assunto, só a febre alta faz convulsão, ou com uma temperatura mais baixa também pode fazer?

Beijinho

mãe disse...

Post com bons conselhos. Obrigada.
Já agora, o H não sei das quantas do post abaixo, é o nome do virús que vos atacou ??

dia-a-dia disse...

Carla, obrigada por colocares a questão e por te "destapares"! Já respondi no post.

;)

Mãe, sim foi ele o desgraçado!

:/

MHelena disse...

Que pena este post não ter sido escrito há um mês atrás! Aquilo que relatei há dias no meu blog teria sido provavelmente diferente. Beijinhos

Amélia do Benjamim disse...

Ainda bem que não foi nada...
Eu também não sabia disto.
Bjinhos

Raquel disse...

E eu fiquei a saber como agir caso algum dia o mito me bata à porta.
Por acso a noção que eu tinha (não sei baseada em quê)é de que as convulsões sucedem, não pelas febres altas, mas quando há uma subida demasiado rápida da temperatura. Estarei errada?
De qualquer das formas obrigada, foi muito bom ler todos estes esclarecimentos.

flower power disse...

obrigado pelas explicações, se o "bicho" bater à nossa porta, já tenho uma melhor noção de como lidar com o caso

S.A. disse...

Um verdadeiro post de utilidade pública!
E o que me lembrei de ti este fim de semana...

LP disse...

Serviço público!

Obrigada!

sissi disse...

Mt bom...mt util...obrigada

inesn disse...

obrigada!

beijinho!

Anónimo disse...

Obrigada pelo Post. Isto sim, é um Post interessante, útil e dismistificador....:)

Ainda bem que tudo não passou de um susto, minha querida!
Beijinhos,
Fátima (Mamãããã!!!)

Rita Quintela disse...

Obrigada!

Anónimo disse...

Parabéns!!

Fantástico!!

Obrigada!

sara disse...

Foi muito bom encontrar o seu testemunho. O meu filho teve uma convulsão febril há quinze dias e desde aí que vivemos aterrorizados.

Anónimo disse...

Oi, minha filha teve 2 convulsões. No começo escondi. Mas depois pensei porque não contar para outras mães até para alertá-las?
Abraços.
Rose

Anónimo disse...

Passei por este blog e fiquei a lê-lo durante uns minutos por achar este tema muito interessante, até porque já tenho uma certa experiência com estas situações.
Só uma coisa: a água para molhar o bebé não deve estar fria, deve sim estar morna/tépida. Isto porque a descida abrupta da temperatura não é benéfica e pode desencadear, tb ela, uma convulsão.
Obrigado por este blog. André

Anónimo disse...

Olá a todos.

Realmente muito útil... também a minha filha já foi "vítima" do mito e por acréscimo eu também pois vivo aterrorizada desde a primeira e já lá vão 4 desde Outubro de 2010.

Com subida brusca da febre acontece sempre! Tenho tanto medo. Não me consigo desligar do assunto e vivo em pânico constante

Anónimo disse...

Boa descrição com conselhos adequados.

Ana disse...

Obrigada pelo testemunho. Eu também vivo aterrorizada desde a primeira do meu filho. Foi intensa, ele ficou hirto, com espasmos no corpo todo e roxo. Não gosto de lembrar... Vivo em ansiedade constante que volte a acontecer.
Apesar de não desejar a ninguém, viver esses momentos, agradeço a partilha. Não me sinto tão só...