terça-feira, dezembro 12, 2006

Pequeno Universo

Tanto mais pequeno, quanto mais perto sentimos quem está do lado de lá. E este sábado o “perto” gerou vertigem, desequilíbrio, queda livre, desorientação.

Nunca antes tinha contactado pessoalmente fosse quem fosse deste Universo Bloguístico. Aliás, o contacto não era sequer a ideia primeira. O que me chamava era a vontade de dar força àquele abraço, de me sentir parte da corrente humana que aqueles olhos azuis sustentavam. Não podia mesmo deixar de estar presente. Como o céu que vela por mim e me esmaga; como o mar que me embala e engole, também aqueles olhos se impunham e me dominavam a vontade. Via azul, sentia azul, pensava azul, ouvia azul, cheirava azul por todo o lado. Até o frio dessa noite era azul, Avenida da Liberdade abaixo, em perseguição do número 65.

Entrámos. Senti-me num templo, um santuário. Um “Schiiiiiiiiiiuuu!...” automático saltou-me da boca, direitinho aos meus noventa e tal centímetros de gente. Escusado – era demasiado excitante o labirinto que compunha a galeria, o sapateado dos pezinhos 23 no soalho, as paredes brancas donde pendiam ‘senhos de todas a cores. Ninguém falava. Sussurava-se apenas. O luto pairava. E ela lá galopava, gargalhava e gritava por mim, em escandaloso desacordo com o ambiente geral. Fixei imediatamente o tal quadro, desviei o olhar incomodada, voltei a fixá-lo e larguei-o de vez, sem saber se queria mesmo ver o que lá estava, porque era muito mais que um “tributo” aquela tela. Hesitei no percurso. Saio desta sala? Não saio? Para onde vou eu agora? Onde estás, Mãe? És tu? Aproximei-me. Os meus olhos perguntaram-lhe se era ela e a minha voz foi atrás. Respondeu-me que sim. Disse-lhe o meu nome próprio e ela juntou-lhe o apelido. Disse-me “Já te conheço”, como quem diz: “Então? Não vês que já nos conhecemos?!” E um abraço apertado, prolongado – pelo menos, pareceu-me assim. Foi só este abraço o que descarrilou das formalidades de circunstância. Este abraço e a observação suspirada, já à última da hora: “Olhos azuis...” – disse-me ela com o olhar preso à R. , que eu aguentava ao colo.

Falámos duas vezes (uma à entrada, outra à saída) e eu nunca me consegui desprender daquele constrangimento que me assaltou assim que cheguei. Foi o luto que ali se respirava? Foi a minha timidez? Foi a segurança e frontalidade desconcertantes do teu olhar, Mãe? Foi a tua serenidade perante a minha atrapalhação? Foi o azul? Não foi nada do que eu queria. Não te disse nada do que me apetecia. Mas o azul é infinito e nós continuamos por cá. Até ao próximo abraço, Querida Mãe.

6 comentários:

Jolie disse...

E que lindo tributo à mãe...

(acabei por não poder ir, com muita pena minha)

LP disse...

Vocês são GRANDES!

Anónimo disse...

"constrangimento" e talvez um sentimento de culpa (infundado e involuntário) por teres uns olhos azuis ao colo e os dela se terem ido... deve ser muito dificil... para ela...e para ti...

Bj grande...

Ana Sousa

Anónimo disse...

O quadro a que te referes vai ser oferecido á Fátima , ideia da "partilhas", que se tem esforçado por juntar pessoas interessadas em comparticipar nesta oferta. O quadro custa 1000€, já conseguimos 635€. Cada pessoa interessada irá transferir na altura a indicar o valor que esta disposto a dar. Desta forma ajudamos a âncora e a Fátima fica com o quadro que fez para a sua menina. Se estiver interessada em participar pode contactar-me por mail. zaidaafonso@sapo.pt

Um abraço

Docinho disse...

Estive lá... senti esse luto... cruzei o meu olhar... deixei-me ficar calada... nada havia a dizer... apenas senti! Senti dor... senti vontade de chorar...
Vim embora cheia... por ter ao meu lado a minha filha... por poder mandá-la calar também!

Beijos solidários

Anónimo disse...

Sílvia,
gostei muito de te ver, pois gosto de dar rostos ás palavras. Sentiste que pairava luto, mas eu não. Senti força, vida, solidariedade naquela exposição com as paredes cheias. Um tributo não tem que ser triste, nem era essa a intenção; uma homenagem aos que partiram e aos que ficaram; aos que ajudaram e aos que vieram; aos que esticaram a mão e aos que sentiram dever protegê-la no bolso.
Ver os olhos da tua filha e fazer o comentário foi uma simples constatação, da qual nem notei que te tinhas apercebido. Mas é apenas mera coincidência e foi assim que senti.

Beijinhos.
Fátima.. (Mamãããã!!!)

PS. Realmente, o Mundo Bloguístico é tão pequeno! Olha aqui como vim descobrir a "careca" aos elos da corrente nos comentários do teu Blog!! hehe..Abraços fortes.